ABRIL/2020 – Infecções Odontogênicas: Correlações Anatômicas, Imaginológicas e Clínicas – XLV

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Para quem desconhece a anatomia, patologia se torna adivinhação. Diante desta assertiva de Paul Goaz, o estudo da anatomia, que é pedra angular em toda e qualquer ciência da área da saúde, deve ser sistemático e bem dirigido dada a grande extensão que a disciplina possui.

Em virtude da possibilidade da observação de estruturas anatômicas ósseas/minerais nos três planos seccionais, a tomografia computadorizada cone beam (TCCB) é considerada exame de imagem “padrão ouro” dentro da Odontologia, já que nós, Cirurgiões Dentistas, atuamos sobremaneira em tecidos mineralizados.

No entanto, apesar de a TCCB possuir pouca especificidade para observação de partes moles, estudaremos nesta edição, a localização anatômica dos espaços musculares: compartimentos que comunicam-se entre si e que são revestidos por fáscias, estruturas anatômicas que sustentam vasos sanguíneos, nervos e músculos.

Os espaços musculares representam vias de disseminação das infecções odontogênicas, que jamais devem ser subestimadas, dada a rapidez em que podem se propagar pela corrente sanguínea, com consequentes danos (muitas vezes irreversíveis) às estruturas nobres do corpo humano: coração (endocardite bacteriana) ou cérebro (trombose do seio cavernoso).

A infecção odontogênica possui duas origens principais: a periapical e a periodontal. A infecção oriunda do periápice tem início através da necrose pulpar (seja cárie, seja trauma dental, por exemplo). Já a infecção periodontal ocorre pela inoculação de bacterias acumuladas em uma bolsa periodontal.

Quando de origem periapical, a infecção se dissemina pelas áreas do osso medular de menor resistência, até encontrar o osso cortical e rompe-lo (como a tábua óssea vestibular ou lingual, por exemplo).

Disseminação de infecção odontogênica periapical. Em A vemos a propagação da infecção em direção vestibular, rompendo a cortical correspondente. Em B, a infecção perfura a tábua óssea palatal. Fonte: Cirurgia Oral e Maxilofacial Contemporânea (2009).

Ao perfurar  o osso cortical, a infecção atingirá áreas de partes moles. A relação entre a área do osso rompido e a inserção muscular determinará o espaço fascial envolvido. A figura abaixo exemplifica:

 

Figuras A e B: Em vermelho, temos a inserção do musculo bucinador no processo alveolar da maxila; em rosa claro, área da mucosa bucal e tecido gengival. Em A vemos a infecção disseminando-se pelo espaço vestibular. Em B, a infecção propaga-se lateralmente ao musculo bucinador, atingindo o espaço bucal. Fonte: Cirurgia Oral e Maxilofacial Contemporânea (2009).

 

 

Corte Coronal da região correspondente ao dente 16, onde verificamos as possíveis vias de disseminação dos processos infecciosos de origem odontogênica. Em vermelho, está representada a área do musculo bucinador. E.B.: Espaço bucal; E.V. Espaço vestibular. S.M. Seio maxilar.

 

O músculo bucinador insere-se às corticais vestibular da maxila e mandíbula. Lateralmente ao m. bucinador, há o espaço bucal e internamente ao referido musculo, temos o espaço vestibular (este último está justaposto ao tecido gengival). O músculo milo hioideo compõe o assoalho da cavidade bucal; inferiormente ao milo hioideo, há a glândula submandibular e superiormente ao mesmo, acha-se a glândula sublingual. Os espaços fasciais recebem os mesmos nomes de suas respectivas glândulas salivares.

 

Corte Coronal, região de molares. O semi-circulo vermelho representa a área do musculo bucinador; lateral e medialmente ao mesmo, temos o Espaço Bucal (E.B.) e o Espaço Vestibular (E.V.), respectivamente. O semi-circulo verde representa o músculo milo hioideo: acima deste, temos o Espaço Sublingual (E.SL) e inferiormente ao referido músculo, há o Espaço Sublingual (E.SM).

 

O espaço mastigador, ou mastigatório, contém os músculos elevadores da mandíbula. Considerando que o ramo da mandíbula é a porção mais central do espaço mastigador, temos: superiormente o músculo temporal (inserido no processo coronóide), lateralmente o músculo masseter e medialmente os músculos pterigoideo medial e lateral.

 

Corte Coronal, região de ramo da mandíbula. Em azul, área do musculo temporal (T); em vermelho, área do músculo masseter (M); em verde área do pterigoideo medial (PM); em laranja os feixes superior e inferior do pterigoideo lateral.

O espaço parotídeo compreende à área de inserção da glândula parotídea. Os componentes anatômicos presentes no espaço carotídeo são: artéria carótida (comum ou interna e externa, de acordo com o nível), veia jugular interna e nervo vago. O espaço parafaríngeo correspondente à extensão lateral da luz da oro/naso/laringofaringe.

Os cortes axiais abaixo ilustram a relação de proximidade entre os diversos espaços musculares da face.

 

Corte axial ao nível do processo alveolar da maxila

 

 

Corte axial ao nível do processo alveolar da mandíbula

 

A fossa pterigopalatina (FPP) é outro reparo anatômico importante, porque representa um centro de distribuição de vasos e nervos para o terço médio da face; alguns de seus constituintes são: artéria palatina descente, os nervos infra-orbital, nasopalatino e alveolar superior posterior. A FPP comunica-se com as cavidades bucal, nasal, orbitária e com as fossas infratemporal e média do crânio, o que constitui via de propagação de infecções da cabeça para a base interna do crânio e pescoço.

 

 

Por André Simões – Especialista em Radiologia Odontológica

 

Referências Bibliográficas:

-Paes Jr AJO, Haetinger RG. Cabeça e Pescoço (Colégio Brasileiro de radiologia e diagnóstico por imagem. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017

-Ellis H, Logan BM, Dixon AK. Anatomia Seccional Humana. São Paulo: Santos, 2010.

-Hupp JR, Ellis E, Tucker MR. Cirurgia Oral e Maxilofacial Contemporânea. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

-Altruda Filho L, Cândido PL, Larosa PRR, Cardoso EA. Anatomia Topográfica da Cabeça e do Pescoço. São Paulo: Manole, 2005.