A interpretação radiográfica nada mais é do que uma análise de eventos metabólicos – sejam eles de natureza inflamatória, cística, tumoral ou de caráter fibro-ósseo. Cada uma dessas naturezas possui atributos radiográficos diferentes entre si, o que nos permite diferenciar seu metabolismo.
No entanto, algumas entidades podem ter comportamento clínico e prognóstico completamente distintos, apesar de possuírem características radiográficos em comum. Desta maneira, vale lembrar que, por si só, o exame radiográfico nunca dará o diagnóstico de nenhuma lesão. Lembrando que, em tomografia, utilizam-se os termos hipodenso e hiperdenso de forma análoga ao que é radiolúcido e radiopaco, respectivamente.
Os 4 passos da interpretação radiográfica são: densidade, limites, forma e envolvimento de reparos anatômicos anexos.
1º Passo: Identificar a densidade
Identificar a densidade de uma lesão é o passo inicial: se radiolúcida, radiopaca ou de densidade mista. De modo geral, as lesões radiolúcidas representam áreas de destruição óssea e as lesões radiopacas, inversamente, constituem afecções de condensação de tecido mineral. Patologias de densidade mista (lesões de caráter fibro-ósseo), são caracterizadas por destruição óssea inicial, com posterior aposição de tecido fibroso de forma gradativa, ou seja, são entidades em que o seu aspecto primordial é radiolúcido, porém, com o passar do tempo, vão adquirindo tonalidade mista (radiopaco-radiolúcida).
Figura 1 – Radiografia periapical: afecção de caráter radiolúcido (rarefação) envolvendo o periápice do dente 12.
Figura 2 – Radiografia panorâmica (parcial): afecção de caráter radiopaco (condensante) em contato com as raízes dos dentes 35 e 36.
Figura 3 – Corte tomográfico sagital: imagem de densidade mista (D) em região compreendida entre os dentes 47 e 45.
2º Passo: Analisar os Limites
Em face à afecções de crescimento lento, onde há tempo para o organismo responder à agressão, o osso sadio na margem da lesão promove uma “barreira” denominada de esclerose óssea reacional, uma lâmina de cortical (radiopaca/hiperdensa) ao redor da área de destruição óssea. Lesões cisticas e tumores benignos costumam apresentar limites corticalizados. Quanto mais espessa a cortical, mais antiga é a lesão.
Figura 4 – Vista panorâmica (ferramenta tomográfica): imagem hipodensa de limites definidos e corticalizados em região anterior do processo alveolar e corpo da mandíbula à direita. Hipótese de diagnóstico: cisto de origem odontogênica (periapical/queratocisto).
Figura 5 – Radiografia panorâmica: imagem radiolúcida de limites definidos e corticalizados em região posterior do processo alveolar da mandíbula à esquerda. Hipótese de diagnóstico: cisto de origem odontogênica (residual/queratocisto).
Figura 6 – Radiografia panorâmica e cortes tomográficos sagital e coronal: imagem radiolúcida/hipodensa de limites bem definidos e corticalizados em terço posterior do corpo da mandíbula e grande parte do ramo da mandíbula à direita, associada ao dente 48. Hipótese de diagnóstico: Ameloblastoma.
Por outro lado, uma lesão que causa destruição óssea de rápida evolução, terá limites difusos. Sem tempo para uma resposta mais organizada, o periósteo reage de forma irregular: observam-se projeções radiopacas/hiperdensas desarranjadas de forma adjacente à área de lise.
Radiograficamente, as hipóteses de diagnóstico de lesões de limites difusos, excluindo as rarefações difusas de origem evidentemente dental (abscessos apicais), a priori, limitam-se às osteomielites supurativas, tendo como diagnóstico diferencial, as neoplasias malignas.
Sublinhamos neste tópico, a especial importância da anamnese e do exame físico na elaboração da hipótese de diagnóstico: relatos de dor/febre, quadros de supuração, edema e rubor da mucosa adjacente remetem a lesões de caráter inflamatório. Por outro lado, a presença de úlceras que não cicatrizam e sangramento espontâneo da mucosa são aspectos clínicos que sugerem malignidade.
Figura 7 – Radiografia panorâmica (parcial): imagem radiolúcida de limites difusos envolvendo toda extensão do ramo da mandíbula esquerdo: osteomielite? Neoplasia maligna?
Figura 8 – Cortes tomográficos sagitais: imagem hipodensa de limites difusos (M) associada à reação periosteal (P) na base da mandíbula. Histórico clínico de exodontia da região, com episódios esporádicos de dor e supuração. Hipótese de diagnóstico: Osteomielite supurativa.
Afecções onde há condensação mineral, portanto radiopacas, seus limites costumam ser irregulares. O odontoma e o osteoma são exemplos de lesões radiopacas/hiperdensas de caráter condensante: no primeiro, há tecido de origem dental e no segundo, existe um processo neoplásico do tecido ósseo.
Figura 9 – Radiografia panorâmica: imagem radiopaca de limites irregulares, em região posterior do processo alveolar da maxila direita. Hipótese de diagnóstico: odontoma (complexo).
Figura 10 – Radiografia panorâmica, corte coronal e reconstrução 3d: imagem hiperdensa de limites irregulares, contínua ao ramo da mandíbula esquerdo. Hipótese de diagnóstico: Osteoma.
Lesões fibro-ósseas costumam ter limites difusos, sendo difícil (por vezes impossível) delimitar seu início e seu término.
Figura 11 – Vista panorâmica (ferramenta tomográfica) e cortes coronal e axial: imagem de densidade mista e limites difusos em processo alveolar e corpo da maxila, ao lado direito. Hipótese de diagnóstico: Displasia Fibrosa.
3º Passo: Forma
As patologias ósseas podem apresentar formas variadas: circular, oval, etc. Os cistos da região maxilo facial, por exemplo, apresentam formato circular. Um cisto forma uma única cavidade (ou lóculo) intra-ósseo: trata-se de uma lesão unilocular. Por outro lado, alguns tumores odontogênicos promovem destruição óssea de tal forma, que formam septos ósseos, conformando diversas cavidades/lóculos – são as lesões multiloculares.
Figura 12 – Radiografia panorâmica: imagem radiolúcida, unilocular, circular, de limites corticalizados associada ao dente 46. Hipótese de diagnóstico: Cisto apical.
Figura 13 – Radiografia panorâmica: imagem radiolúcida, circular e unilocular, de limites corticalizados, associada ao dente 17, projetando-se para o interior do seio maxilar. Hipótese de diagnóstico: Cisto apical.
Figura 14 – Vista panorâmica (ferramenta tomográfica): imagem de hipodensa, de aspecto circular e unilocular, de limites corticalizados, associada ao dente 48. Hipótese de diagnóstico: Cisto dentígero.
Figura 15 – Radiografia panorâmica: imagem radiolúcida, de limites corticalizados, multilocular, em terço posterior do corpo e grande parte do ramo da mandíbula, à esquerda. Hipótese de diagnóstico: Ameloblastoma.
4º Passo: Envolvimento de corticais e anexos
Como dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, um processo patológico de grande volume trará repercussão em estruturas vizinhas – sejam corticais ósseas, trajetos de feixes vasculo-nervosos ou mesmo dentes.
Como já descrevemos, lesões benignas, além de apresentarem crescimento lento e serem bem definidas, provocam abaulamento, adelgaçamento e rompimento das corticais, deslocando reparos anatômicos (como o trajeto do canal da mandíbula e o assoalho do seio maxilar), porém, sem destruí-los. Raízes podem ser afastadas e reabsorvidas; elementos não irrompidos podem ficar totalmente deslocados de sua trajetória de irrupção.
Figura 16 – Radiografia panorâmica: imagem radiolúcida, circunscrita e unilocular, de limites corticalizados em processo alveolar da maxila do lado direito. Há afastamento das raízes dos dentes 13 e 12 e abaulamento da parede anterior e inferior do seio maxilar. Hipótese de diagnóstico: Cisto odontogênico (queratocisto/cisto apical).
Figura 17 – Vista panorâmica (ferramenta tomográfica) e cortes sagital e axial: imagem hipodensa, de limites definidos, corticalizados, multilocular, com abaulamento, adelgaçamento e rompimento das corticais vestibular e lingual do processo alveolar da mandíbula à esquerda. O dente 33 está deslocado de sua trajetória de irrupção. Hipótese de diagnóstico: Ameloblastoma.
As lesões malignas, por outro lado, com grande potencial de infiltração e de rápido metabolismo, destroem o osso de maneira difusa, sem respeitar reparos anatômicos (onde há perda de definição dos mesmos) – a essa lise de aspecto difuso, alguns autores usam o termo “roído de traça” para descrever o padrão de imagem.
Figura 18 – Vista panorâmica (ferramenta tomográfica) e cortes Coronal e axial: imagem hipodensa de limites difusos em processo alveolar e corpo da mandíbula, região posterior, com presença de reação periosteal, rompimento de corticais e perda de definição do trajeto do canal da mandíbula. O dente 37 está deslocado de seu alvéolo. Hipótese de diagnóstico: Osteossarcoma.
Referências Bibliográficas
Capella LRC, Simoes AYR, Oliveira RJ in: Cabeça e Pescoço. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. Capítulo 7 (Complexo Maxilomandibular e Lesões Odontogênicas). Pags. 343-382.
Capella LRC, Oliveira, RJ. Atlas de Radiografia Panorâmica para o Cirurgião-Dentista. São Paulo: Editora Santos, 2014.
Fenyo-Pereira. Radiologia Odontológica e Imaginologia. São Paulo: Editora Santos, 2013
Cavaltanti MGP. Diagnóstico por Imagem da Face. São Paulo: Editora Santos, 2012.
Papaiz EG, Capella LRC, Oliveira RJ. Atlas de Tomografia Computadorizada por Feixe Cônico para o Cirurgião dentista. São Paulo: Editora Santos, 2011.
Ellis H; Logan BM; Dixon AK. Anatomia Seccional Humana. São Paulo: Editora Santos, 2010.
Leni Maria dos Santos
Agradeço esse trabalho enviado. Realmente para nós não é tão fácil fazer a diferenciação dessas lesões.
Andrea
Excepcional. Vocês arrasam !
dikvan fedozzi
Obrigado pelas publicações/aulas.
FERNANDO COSTANTINI
MUITO BOM A MATÉRIA, MUITO ELUCIDATIVA!! OBRIGADO PELA DIVULGAÇÃO!!
Adriano Caló
Essas publicações que vocês fazem periodicamente são sensacionais. Parabéns. Aprendo muito com elas.
Curso Online
Sou a Marina Almeida, gostei muito do seu artigo tem
muito conteúdo de valor parabéns nota 10 gostei muito.
samea
Excelente Post! Parabéns!