Calcificações dos tecidos moles do Complexo Maxilo Facial

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Para que possamos discutir o tema “calcificação”, nesta edição vamos recordar brevemente o conteúdo que esta palavra carrega.

O íon cálcio é o mineral mais abundante no corpo humano; suas funções são inúmeras e importantes dentro do organismo. O cálcio tem seu papel dentro do metabolismo de toda e qualquer célula, seja na coagulação sanguínea, seja na transmissão de impulsos nervosos, seja na contração muscular (esquelética, gastro intestinal e cardíaca), seja até na formação da memoria de médio prazo. Grande parte do conteúdo mineral do corpo humano está mantida no tecido ósseo e dental. O cálcio é adquirido única e exclusivamente através da alimentação.

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Quase que culturalmente, a maioria das pessoas associa o cálcio aos ossos: os ossos do corpo humano, compostos por tecido conjuntivo mineralizado, atuam como verdadeiro estoque de cálcio que fica à disposição do organismo quando necessário. O nível sérico de cálcio, ou seja, sua taxa de concentração no sangue, é mantido em equilíbrio por ação hormonal. Quando a taxa de cálcio do sangue diminui, a glândula paratireóide é estimulada, produzindo o paratormônio que libera o cálcio presente nos ossos para a corrente sanguínea, estabilizando os níveis séricos do íon. De modo inverso, quando há aumento no nível de cálcio no sangue, a calcitonina (produzida pela glândula tireóide) entra em ação e estimula saída do cálcio no sangue para que o íon volte a ser armazenado aos ossos.

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Em suma: de forma continua, as células ósseas são reabsorvidas/quebradas pelos osteoclastos (ação do paratormonio) e formadas através dos osteoblastos (estimulo da calcitonina), de modo a manter os níveis séricos de cálcio adequados para o metabolismo celular.

Porém, em razão de circunstâncias variadas e nem sempre esclarecidas, tecidos moles podem ser local de desenvolvimento de calcificações heterotópicas, isto é, calcificações fora do tecido ósseo ou dental. A essa deposição heterotópica, dá-se o nome de calcificação patológica. Veremos adiante que algumas calcificações patológicas podem acometer tecidos previamente lesionados.

Nesta edição discorreremos as mais frequentes calcificações patológicas do complexo maxilo facial observadas pelos exames de Radiologia Odontológica.

Calcificação da Polpa Dentária

Este tipo de calcificação é bastante comum. Todo e qualquer estímulo ao órgão dental, seja de origem terapêutica, inflamatória, traumática ou iatrogênica, por menor que seja, sempre levará a uma resposta de defesa da polpa, resultando em mineralização do tecido pulpar. Por ter curso assintomático, calcificações pulpares não costumam ter significado clínico significativo a não ser por eventual dificuldade quando de procedimentos endodônticos.

O tipo mais comum de calficação da polpa dental (que ironicamente não costuma ter gênese esclarecida) é o nódulo pulpar; este tipo de calcificação pode acometer um ou vários dentes do mesmo indivíduo. O nódulo pulpar mostra-se radiograficamente como uma radiopacidade/hiperdensidade no interior da câmara pulpar e/ou conduto radicular.

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Radiopacidades observadas no interior da câmara pulpar dos dentes pré molares e molares superiores : nódulos pulpares

 

Radiograficamente, quando observamos uma radiopacidade/hiperdesidade que ocupa parcial ou totalmente a câmara pulpar e conduto(s) radicular(es), estamos diante de uma obliteração pulpar. Este tipo de afecção pode ocorrer após um impacto de alta intensidade (trauma facial, por exemplo) ou diante de um agente traumático de baixa intensidade, porém de longa duração (má oclusão)

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Por meio da incidência periapical, observa-se radiopacidade ocupando o conduto radicular do dente 13; pelos cortes sagitais e coronais, verificamos obliteração quase que total do conduto radicular, que provavelmente foi causada por mordida topo a topo. A letra Q indica reabsorção radicular do tipo interna.

 

 

Sialólitos

Sialólitos são estruturas calcificadas que se desenvolvem no próprio corpo da glândula salivar ou dentro do sistema ductal salivar, com consequente diminuição/obliteração de sua luz. A patogênese dos sialólitos é incerta; seu desenvolvimento não está relacionado a nenhum transtorno sistêmico metabólico do cálcio. No entanto, segundo Neville, o sialólito se forma a partir do progressivo acúmulo de os íons de cálcio no próprio muco, ou quando da adesão dos íons em um amontoado de bactérias ou células epiteliais presentes à luz do ducto salivar. Tanto as glândulas salivares maiores quanto as menores podem ser acometidas; sialólitos que acometem as glândulas salivares maiores, geralmente causam aumento de volume na glândula afetada especialmente durante as refeições devido a maior produção de muco durante o período prandial. Nem sempre os sialólitos apresentam sintomatologia dolorosa e desta maneira acabam sendo identificados incidentalmente pelos exames de imagem.

Vista medial da mandíbula mostrando a posição das glândulas submandibular e sublingual Fonte: Atlas de Anatomia, Sobotta -2006
Vista medial da mandíbula mostrando a posição das glândulas submandibular e sublingual
Fonte: Atlas de Anatomia, Sobotta -2006

 

A glândula salivar mais acometida é a submandibular (cerca de 92% dos casos); o fato de o seu ducto salivar (Wharton) ser mais longo e sinuoso em comparação com os demais, justifica sua maior incidência. Por meio dos métodos radiográficos convencionais, usualmente as calcificações das glândulas salivares sobrepõem-se a acidentes anatômicos da mandíbula, já que se situam em partes moles (como no espaço submandibular, sublingual ou mastigatório). Apresentam aspecto radiográfico de massa radiopaca/hiperdensa, por vezes disforme; em alguns casos os sialólitos podem apresentar-se de formato oval ou arredondado/circular.

Legenda para o caso I - Massa radiopaca projetada em região de fóvea submandibular/ângulo da mandíbula, lado esquerdo compatível com sialólito da glândula submandibular.
Legenda para o caso I – Massa radiopaca projetada em região de fóvea submandibular/ângulo da mandíbula, lado esquerdo compatível com sialólito da glândula submandibular.
Legenda para o caso II - Por meio da radiografia panorâmica, nota-se imagem radiopaca, de aspecto oval projetada ao processo alveolar da mandíbula, ao lado direito. Pela incidência radiográfica periapical, verificamos a imagem radiopaca projetada ao periápice dos dentes 44 e 45. A radiografia oclusal total da mandíbula, complementar, mostra que a imagem radiopaca está situada em partes moles (espaço sublingual) : imagem compatível com sialólito da glândubla sublingual.
Legenda para o caso II – Por meio da radiografia panorâmica, nota-se imagem radiopaca, de aspecto oval projetada ao processo alveolar da mandíbula, ao lado direito. Pela incidência radiográfica periapical, verificamos a imagem radiopaca projetada ao periápice dos dentes 44 e 45. A radiografia oclusal total da mandíbula, complementar, mostra que a imagem radiopaca está situada em partes moles (espaço sublingual) : imagem compatível com sialólito da glândubla sublingual.

Por meio da tomografia computadorizada, ao cruzar os planos seccionais axial, sagital e coronal, eliminando a sobreposição de imagens, temos um estudo mais acurado de sua localização espacial.

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Tonsilolitos

As tonsilas (popularmente conhecidas como amídalas) são órgãos do sistema imunológico: são compostas por tecido linfoide, que é responsável pela produção de células de defesa. As tonsilas (classificadas conforme sua localização: faríngeas, palatinas e linguais), constituem forma de defesa contra agentes infecciosos provenientes das vias aéreas superiores.

 

Esquema da localização anatômica das tonsilas . Fonte : http://www.auladeanatomia.com/linfatico/linfa.htm
Esquema da localização anatômica das tonsilas .
Fonte : http://www.auladeanatomia.com/linfatico/linfa.htm

Acredita-se que tonsilites não tratadas adequadamente levam a um quadro inflamatório/infeccioso de curso crônico, que induz ao acúmulo de coleção purulenta pelos restos necróticos de células e bactérias; estes detritos acabam por calcificar-se e formam um tonsilolito.

Os tonsilolitos são vistos frequentemente por meio de radiografias panorâmicas e tomografias computadorizadas. Tem aspecto nodular radiopaco/hiperdenso e podem apresentar-se como únicos ou múltiplos nódulos. Constituem comumente como achado radiográfico, porque a maioria dos pacientes não relata história clínica significante. Por vezes, os sintomas podem incluir dor de garganta, tosse, disfagia (dificuldade ao deglutir), otalgia (dor de ouvido), halitose crônica e sensação de corpo estranho.

Notar radiopacidades projetadas em ambos os ramos da mandíbula (destacadas pelo circulo amarelo) – Imagem compatível com calcificação de ambas as tonsilas palatinas
Notar radiopacidades projetadas em ambos os ramos da mandíbula (destacadas pelo circulo amarelo) – Imagem compatível com calcificação de ambas as tonsilas palatinas
Legenda para as imagens do Caso II – Notar nódulos hiperdensos localizados em região de tonsila palatina em ambos os lados, letra A - Tonsilólitos
Legenda para as imagens do Caso II – Notar nódulos hiperdensos localizados em região de tonsila palatina em ambos os lados, letra A – Tonsilólitos

Flebólitos

Tratam-se de calcificações em trombos; um trombo é uma massa de coágulo presente num vaso sanguíneo. Na região da cabeça e do pescoço, os flebólitos estão frequentemente associados à malformações vasculares, como o hemangioma (do tipo cavernoso) por exemplo. Alguns autores consideram o hemangioma como um harmatoma , isto é, uma malformação focal neoplasica de tipo benigno, que cresce controladamente na mesma proporção que as células vizinhas, ainda que se desenvolva desorganizadamente: no caso do hemangioma, existem tecidos endoteliais constituindo vasos sanguíneos malformados, que sofrem dilatação lenta e progressiva ao longo da vida do indíviduo. Radiograficamente observam-se múltiplos corpos circulares ou ovais em aspecto de “alvo”: são radiopacos na periferia e radiolúcidos no centro; essa radiolucência central representa a luz remanescente do vaso. A incidência de um flebólito “solitário” é mais incomum. Pela casuística na Papaiz Associados, alguns pacientes relatam terem recebido diagnóstico de hemangioma de face ou em região da cabeça, o que condiz com  achado imaginológico. Porém outros pacientes desconhecem ser portadores da referida afecção.

Observa-se diversos nódulos radiopacos projetados ao processo alveolar, túber da maxila, seio maxilar e em partes moles do terço inferior da face: flebólitos.
Observa-se diversos nódulos radiopacos projetados ao processo alveolar, túber da maxila, seio maxilar e em partes moles do terço inferior da face: flebólitos.
Observa-se nódulo radiopaco e, ao centro, radiolucência. A referida imagem projeta-se em partes moles, e por esta incidência panorâmica, localiza-se inferiormente ao processo alveolar da maxila ao lado esquerdo.
Observa-se nódulo radiopaco e, ao centro, radiolucência. A referida imagem projeta-se em partes moles, e por esta incidência panorâmica, localiza-se inferiormente ao processo alveolar da maxila ao lado esquerdo.

 

Referencias Bibliográficas

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Neville BW; Damm DD; Allen AM; Bouquot JE. Patologia Oral e Maxilofacial. 3 ED. – Rio de Janeiro, Elsevier,2009. Capítulo 11 (Patologia das Glândulas Salivares). Pag. 455-472

SANTANA JUNIOR, Pedro José de et al . Qual o seu diagnóstico?. Radiol Bras,  São Paulo ,  v. 42, n. 4, Aug.  2009 .

JACOME, Alessandra Mara Soares Coelho; ABDO, Evandro Neves. Aspectos radiográficos das calcificações em tecidos moles da região bucomaxilofacial. Odontol. Clín.-Cient. (Online),  Recife ,  v. 9, n. 1, marzo  2010 .   

MONSIGNORE, Lucas Moretti et al . Achados de imagem e alternativas terapêuticas das malformações vasculares periféricas. Radiol Bras,  São Paulo ,  v. 43, n. 3, June  2010

Ellis H; Logan BM; Dixon AK. Anatomia Humana Seccional: atlas de secções do corpo humano, imagens por TC e RM. 3. Ed. – São Paulo: Santos, 2010. Capítulo 2. Pag. 10-80

Papaiz EG; Capella LRC, Oliveira RJ. Atlas de Tomografia Computadorizada por Feixe Conico para o Cirurgião-dentista. São Paulo: Editora Santos, 2011 Capítulo 1 (Anatomia Craniofacial) p 2-3.

White SC; Pharoah MJ. Oral Radiology; principles and interpretation. 7Ed. – Missouri: Elsevier, 2014. Part III – Interpretation (Soft Tissue Calcification and Ossifications) p-524-541.

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